top of page

Reflexões Sobre o Século XXI: A Estranha Ordem Social

Updated: Jan 16, 2020

Camilo Sequeira

Consultor de Turismo & Gestão Estratégica


Cristo iluminado por luzes e fogos no réveillon de 2019. Foto: Fernando Maia/Riotur

Dezembro de 2019, auditório da FGV-RJ lotado para o evento: “O Futuro da Parceria Estratégia Global China-Brasil.” Todos aguardavam a palestra principal do Consul Geral da China do Rio de Janeiro. Um diplomata de origem humilde, formado em teoria política, que discorreu, dentre outros assuntos, sobre a diferença entre o sistema chinês de governo e o sistema de democracia dos governos ocidentais.


Segundo ele, em síntese, as instituições são semelhantes, dado que os poderes executivo, legislativo, e judiciário, característicos do modelo ocidental, também fazem parte do arcabouço governamental chinês.


Porém, há uma diferença fundamental, enquanto no mundo ocidental esses poderes, geralmente, competem entre si, no caso chinês eles perseguem os mesmos objetivos estabelecidos na assembleia nacional por todos os representantes das províncias e válidos para o quinquênio à frente.


O Consul finalizou: “Nós procuramos utilizar as coisas boas do modelo de vocês, principalmente o modo de produção de bens e serviços, e evitamos os pontos fracos, como a lentidão nas decisões e conflitos entre poderes”.


De fato, nos últimos quarenta anos, a China apresenta uma taxa de crescimento da economia bem acima de cinco por cento, de dar inveja a qualquer democracia ocidental cujas instituições são incapazes de responder na velocidade necessária para atender as expectativas dos cidadãos.


Sem dúvida, ao criar riqueza material, a China diminuiu drasticamente os índices de pobreza. Mas, além da riqueza tangível, o ser humano não se satisfaz completamente enquanto necessidades intangíveis não forem preenchidas.


À pergunta sobre como o governo chinês lidava com a diversidade cultural dos diferentes povos e etnias a resposta enveredou para a importância da cultura e, por isso mesmo, segundo o Consul, o governo chinês vem colocando em prática os ensinamentos do filósofo e educador Confúcio que foi alçado a representante do legado milenar da cultura chinesa, semelhante a Camões em Portugal, Miguel de Cervantes na Espanha, Shakespeare na Inglaterra e Goethe na Alemanha.


Confúcio foi contemporâneo de filósofos e educadores como Sidarta Gautama príncipe herdeiro de um dos dezesseis reinos existentes na região da atual Índia. Mais conhecido como Buda, seus ensinamentos reverberam há 25 séculos e se tornam cada vez mais atuais.


Trata-se de ensinamentos filosóficos sobre a condição humana, em particular sobre as causas do sofrimento. Esses ensinamentos compreendem teoria e prática sobre a psicologia da mente, o autoconhecimento, que, uma vez estudados e praticados, se transformam numa verdadeira “Arte de Viver”.


Foi o imperador Ashoka que, no século III antes da era atual, uniu os diversos reinos ou clãs e, sob os ensinamentos desse filósofo, deu forma ao que hoje conhecemos como Índia. Os famosos “Éditos de Ashoka” publicados em pilares, enormes e pesadas colunas de arenito, espalhadas pelo imenso território, ditavam as regras de convivência entre os diferentes povos com suas culturas e religiões.


Ressalta-se, como exemplo, o Édito que disseminava a tolerância religiosa: “aqui deve haver crescimento no essencial de todas as religiões. Quem elogia sua própria religião por excessiva devoção e condena os outros com o pensamento - Deixe-me glorificar minha própria religião - apenas prejudica sua própria religião”. Poderemos aplicar esse ensinamento também para os credos políticos. Os Éditos enfocavam preceitos sociais e morais, em vez de práticas religiosas específicas. Portanto, eram ensinamentos universais.


Ashoka fez questão de levar os ensinamentos a outras nações e regiões. Síria, Iran, Egito, Grécia, Itália e Turquia receberam emissários com os ensinamentos do filósofo Buda. Também se espalharam pela China, a Mongólia, e todo o sudeste asiático, Camboja, Vietnam, Tailândia, dentre outras regiões.


Junto com os ensinamentos disseminou-se, também, o significado das palavras; Dhyana em Sânscrito ou Jhana em Pali, línguas faladas na Índia naqueles tempos, se refere a aspectos da meditação, que transliterada para o chinês virou Chan, e Zen, em japonês.


Após o imperador Ashoka governar por cerca de trinta anos, o sistema se desintegrou e voltou ao mundo como era antes: guerras religiosas e de dominação entre os povos daquela região.


A influência de Ashoka foi tamanha que o atual Brasão de Armas da Índia remonta à escultura dos quatro leões encimados no capitel da coluna que o imperador mandou erguer na cidade de Sarnath, no local onde Buda fez seu primeiro discurso sobre suas descobertas relacionadas às verdadeiras causas do sofrimento.


Capitel de Sarnath: Leões em quatro direções, representando a natureza universal de Buda

Quando a Índia se tornou uma república, em 1950, esse símbolo foi adotado como Emblema Nacional. Embora a tolerância religiosa tenha sido uma prática nos tempos desse influente imperador, hoje, o atual governo indiano, responsável, nestes últimos cinco anos, por um período de altas taxas de crescimento econômico, marginaliza determinadas manifestações religiosas, como o islamismo, causando um mal-estar na sociedade indiana de predominância hinduísta. Está no noticiário corrente.


Um traço comum a todos os modelos de governo é sua dependência do caráter e perfil do líder que em determinado momento governa. Depois do imperador Ashoka, a Índia raramente encontrou outro período de crescimento e harmonia entre os cidadãos.


Na China, após a morte de Mao Tse-Tung e a derrocada de suas políticas, foi preciso que Deng Xiao Ping liderasse a abertura da economia para o ocidente adotando o modelo capitalista.


Nos regimes democráticos a eficiência dos governos também depende da visão estratégica de quem controla o executivo e, principalmente, da capacidade de resposta das instituições democráticas às expectativas do cidadão.


Como consequência, a democracia como forma de governo está sendo questionada por grande parte da população mundial. Inclusive, em determinados países, os eleitores optam por votar em candidatos que prometem soluções rápidas evocando a centralização e pleno domínio das instituições democráticas.


Recentemente, aqui no Brasil, uma pesquisa mostrou que 62% dos brasileiros acreditam que a democracia é sempre a melhor forma de governar, mas esse índice caiu sete pontos percentuais em relação à mesma pesquisa realizada há um ano. O contexto, no entanto, é de crescimento do modelo democrático ao ser abraçado por mais nações.


Há quarenta anos, existiam apenas 40 países que adotavam a democracia num total de 154 membros da ONU (26%), hoje são 100 os países democráticos num total de 193 (52%). Em quarenta anos, dobrou o número de países que adotaram a democracia como forma de governo.


Mas, no início da terceira década do novo milênio, precisamos abordar os impactos das chamadas “ondas disruptivas” que, como um tsunami, controla e arrasta tudo e todos, causando vertigem, desorientação e pessimismo a boa parte da população mundial. As reações e frases que mais se escuta são do tipo “Que estranha ordem das coisas! Que mundo é esse! Está tudo de ponta cabeça! Não estou entendendo mais nada!”.

Os cidadãos não estão mais dispostos a esperar por promessas vazias. Eles querem que, aqui e agora, suas expectativas sejam preenchidas à velocidade dos novos tempos. A humanidade jamais foi submetida a tamanho impacto proveniente das mudanças tecnológicas, de inovações cada vez mais frequentes e a velocidades nunca antes experimentadas.


Imaginemos o mundo no início do século passado, da época da Primeira Grande Guerra. Se você estivesse em Londres, levaria cinco dias para chegar ao oriente médio, oito dias para alcançar a costa leste dos EUA, quinze dias para alcançar a costa do Brasil e quarenta dias para chegar à costa do Pacífico. Shangai poderia ser alcançada em vinte dias e Sydney trinta e quatro dias navegando pelo canal de Suez.


Hoje, você alcança esses destinos em horas. Os lugares mais longínquos levam cerca de 30 horas a partir de Londres. Em 1961 levei 22 horas para chegar ao Rio de Janeiro a bordo da Panair. Mas, para isso, a aeronave teve que parar na Ilha do Sal, em Cabo Verde, para abastecer e jantarmos, e novamente parar no aeroporto de Recife, para o café da manhã e abastecer mais uma vez, antes de seguir direto ao Rio.


Hoje, visito meus parentes em Lisboa num voo direto de 9 horas partindo do Rio de Janeiro com jantar e café da manhã a bordo. Em menos de um século, as telecomunicações e os transportes transformaram o planeta numa verdadeira aldeia global.


Oito bilhões de humanos vivem juntos no tempo, interconectados pelos celulares. Em segundos sabemos o que está ocorrendo em qualquer parte do mundo na palma da mão. As novas tecnologias de internet 5G reduzirão o “time lag” a zero. Estaremos separados apenas pelos fusos horários e pelas distâncias em horas, por enquanto.


Nos anos 40 do século passado o economista Schumpeter apresentou o conceito de "Destruição Criativa" para descrever os ciclos econômicos provenientes do processo de inovação em que novos produtos destroem velhas empresas e antigos modelos de negócios. É a dialética aplicada à economia: o novo querendo surgir e o velho resistindo à mudança.


Esse fato acontece em qualquer evento, inclusive com os modelos mentais que utilizamos para entender o mundo ao redor, e nosso próprio comportamento como indivíduos. O novo transcende o velho e ao mesmo tempo o inclui. O novo sempre traz incertezas e o velho, ao reagir, se agarra aos modelos tradicionais para resistir à mudança. Esses conceitos se aplicam não somente às tecnologias e modelos econômicos como também, é claro, aos processos sociais e políticos.


Na mesma época em que Schumpeter desenvolveu esse conceito, Einstein, preocupado com a onda disruptiva nos anos 30, em particular, com o surgimento do movimento nazista, perguntava ao seu amigo Freud, pai da psicanálise, sobre como prevenir a conflagração iminente da Segunda Guerra Mundial.


A resposta de Freud foi bem desanimadora: "sinto muitíssimo, mas, considerando as forças em campo, não tenho conselho a dar, nenhuma ajuda nem salvação." Com forças em campo, ele se referia à natureza humana dos processos mentais no embate íntimo entre impulsos positivos e afetuosos e impulsos negativos e destrutivos para o próprio indivíduo e para os outros.


Segundo António Damásio, “por mais inteligentes e bem informados que sejamos nossa tendência natural é resistir a mudanças de nossas crenças, mesmo se houver evidências que as refutem. A exaustão diante da avalanche de fatos recomenda o recuo para crenças e opiniões que o indivíduo já possui; geralmente aquelas do grupo ao qual pertence. Em um clima assim, a disseminação de notícias falsas e pós-verdades é facilitada”.


Damásio é um filósofo e neurocientista da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles. Durante minha viagem em 2019 por Portugal, particularmente Trás Os Montes e Alto Douro Vinhateiro, região onde nasci, quis entender a fase otimista pela qual passa Portugal. E nada como uma boa companhia: a leitura do último livro deste cientista e pensador “A Estranha Ordem das Coisas” que me fez refletir sobre o momento atual pelo qual passamos. Peço licença ao meu patrício por basear o título deste artigo em seu livro.

A citação de Damásio explica como certas crenças conseguem sobreviver em mentes inteligentes e formadas em boas escolas e universidades. Imagino que Fernão de Magalhães, o navegador português que há quinhentos anos arriscou a vida para provar que a terra era redonda, apreciasse renascer para escutar os argumentos dos “terraplanistas” com narrativas contrárias às incontestáveis evidências de sua experiência.


Na vida, temos duas escolhas com relação à realidade que nos rodeia: sermos pessimistas ou otimistas. Eu prefiro esta última, pois somos mais felizes e preparados para encarar as vicissitudes, e isso é o que importa.


Por isso concordo com Manuel Castells, professor emérito de sociologia da Universidade de Berkeley, sobre o papel das mídias sociais: “ao revelar a inadequação e a corrupção de governos em democracias importantes, a mídia digital na verdade abriu o caminho para uma remodelação profunda e sadia do modo de governar. As democracias liberais passam por uma crise de legitimidade que precisa ser encarada o quanto antes, a internet e a comunicação digital poderiam ser mais uma bênção do que uma maldição”.


Creio que no futuro, ao estudarem as transformações ocorridas no início do século XXI, as “ondas disruptivas” provocadas pelas inovações tecnológicas e seus impactos nas mentes humanas serão, sem dúvida, um dos temas de pesquisa.


As novas tecnologias estão acessíveis aos consumidores cada vez em menor período. Em 2007 estava no Canadá no lançamento do primeiro iPhone, apresentando a revolucionária tela “touchscreen”. Comprei o iPod, que serviu de base para que o Steve Jobs lançasse esse smartphone com 4 GBytes de memória principal. Hoje, poucos anos depois, meu smartphone tem 128 GBytes de memória principal e mais 6 GBytes dedicados ao processador, turbinando sua capacidade de processamento.


Lembro-me do Cobra530, considerado o primeiro computador brasileiro, lançado no final dos anos 70 sob a proteção da Lei de Reserva de Mercado. Achávamos o máximo lançar um computador para fins comerciais com capacidade de memória principal de 64 MBytes e disco “Panela” de 80 MBytes. Olhando em perspectiva, qual era nossa capacidade de competir com as novas tecnologias, mesmo sob a proteção da política de reserva de mercado? Sinceramente nenhuma.


Nos anos 80, por ser responsável pela área de desenvolvimento da Cobra Computadores e Sistemas Brasileiros S.A., fui designado para receber uma delegação da Academia de Ciências da ex-União Soviética. Eles estavam interessados em estabelecer parcerias tecnológicas com nossa empresa. Quando entramos nos detalhes de ambas as tecnologias, concluímos que era impossível estabelecer qualquer acordo.


Os padrões por eles utilizados não estavam em conformidade com os nossos, as tecnologias seguiam métricas diferentes. Lição aprendida: todo e qualquer sistema fechado tende ao isolamento e a perder sinergia em relação aos demais. Isto é tão válido para sistemas físicos como para sistemas sociais. Uma economia fechada não poderá sobreviver por muito tempo.


Qual o impacto das transformações tecnológicas na psique humana? Melhor dizendo, qual o impacto do novo habitat humano da “caverna” tecnológica do mundo virtual, da inteligência artificial, da internet das coisas, do big data, da invasão da privacidade e das “fake news” na capacidade de adequação e transformação dos modelos mentais que se consolidaram lentamente ao longo de milênios, com os quais os seres humanos estão familiarizados, e que agora são literalmente postos à prova por eventos que surgem à velocidade da luz nas telas de nossos smartphones?


Aqui chegamos num tópico muito importante para que possamos entender o que está ocorrendo na sociedade humana, em particular sobre a reação dos cidadãos com relação ao status quo das instituições democráticas, políticas e sociais. Em sua Teoria Integral, o filósofo americano Ken Wilber descreve com clareza como a consciência dos humanos evoluiu ao longo de milênios.


Primeiramente, ele distingue estágios ou níveis de consciência de estados de consciência e, para ser mais didático, classifica os oito estágios, que representam o substrato de todo desenvolvimento individual e cultural, numa sequência crescente de complexidade e abrangência, com a seguinte nomeação: estágio de consciência Arcaico, Mágico, Mágico/Mítico, Mítico, Racional, Pluralista, Integral e Super Integral.


Esses estágios são perpassados por sete linhas principais que representam o desenvolvimento da inteligência humana; as múltiplas inteligências: Cognitiva, Emocional, Estética, Moral, Somática, Intrapessoal, Espiritual. São as chamadas linhas ou dimensões de Inteligências que Daniel Goleman, cientista psicólogo, descreveu em seus livros, um deles intitulado “Inteligência Emocional”. Ou seja, nós podemos ser mais ou menos inteligentes em cada uma destas dimensões.


Na década de 70 do século passado era muito comum o teste de QI, e as empresas, equivocadamente, se baseavam nos resultados ao decidir pela contratação ou não dos candidatos. Naquela altura, os testes levavam em consideração apenas uma dimensão, às vezes frustrando os candidatos ao receberem o índice.


Na verdade, nossa inteligência é multidimensional e bem mais abrangente. Por exemplo, você pode estar abaixo da média num teste relativo ao seu comportamento emocional, mas bem acima da média num teste relativo ao seu aspecto somático, e isso não significa demérito. A sua capacidade cognitiva pode ser acima da média, porém apresentar baixo índice na capacidade intrapessoal, ou vice-versa.


No modelo Integral de Ken Wilber, um determinado estágio ou nível de consciência evolui para o nível seguinte mais complexo e mais abrangente, transcendendo e incluindo o nível anterior.


Como na física, as partículas subatômicas, os Quarks, evoluem para Átomos e estes incluem, preservam e transcendem as partículas subatômicas. Por sua vez, Átomos se juntam para formar Moléculas que transcendem e incluem Átomos. Moléculas evoluem para Células que transcendem e incluem Moléculas. Células se juntam e se transformam em complexos organismos que transcendem e incluem Células.


Os níveis de consciência se comportam da mesma maneira. “Transcendência e Inclusão” faz parte do processo evolucionário. Na evolução dos estágios ou níveis de consciência nossa personalidade passa pelos níveis de identidade consigo mesmo ou Egocentrismo, de identidade com vários grupos (família, amigos, tribo) ou Etnocentrismo, de identidade com todos os seres humanos ou Mundo Centrismo, de identidade com todos os seres vivos ou Cosmo Centrismo, e, nesta sequência, segue para se identificar com todo o Universo.


Em seu desenvolvimento natural o comportamento Egocentrista (somente EU), tende a evoluir para o comportamento Etnocentrista (também NÓS) e para o comportamento Mundo Centrista (todos NÓS). Portanto, assim como na física, cada nível de consciência transcende para o próximo e inclui o anterior.


Por isso mesmo, mantemos os traços de diferentes “personas” ou comportamentos. Dizemos que uma pessoa é egoísta quando pensa somente em si. Uma pessoa com visão mais abrangente tende a pensar também nos demais seres humanos, na totalidade dos seres vivos, interessado na preservação da fauna, da flora, do habitat de todos nós, enfim, do planeta.


Tomar conhecimento dos níveis ou estágios de consciência ajuda na nossa auto compreensão, e a entender o mundo em geral. Nos ajuda a compreender que os comportamentos políticos, sociais, morais, éticos, são provenientes de manifestações complexas e não de comportamentos simples ou bipolares.


Como poderemos evoluir no entendimento dos fenômenos atuais que tomam conta da sociedade humana? Graças ao conhecimento acumulado nas diversas disciplinas das áreas exatas, humanas e sociais hoje existem instrumentos disponíveis que nos ajudam no exercício do autoconhecimento.


Quanto mais investirmos em nosso autoconhecimento maior será a probabilidade da harmonia entre os povos. Pessoalmente, evito os extremos, embora compreenda sua função na sociedade humana, as soluções dos problemas humanos, a meu ver, não virão das posições extremas, das narrativas de ódio.


A experiência me mostrou que regimes de exceção e fechados, apesar de incentivarem desenvolvimentos econômicos momentâneos, no curto prazo, não são capazes de impulsionar desenvolvimentos sustentáveis, duradouros, e principalmente integrais.


Vivemos um surto de retrocessos de economias que se fecham achando com isso que estão protegendo seus empregos e suas riquezas. Ledo engano. Temos inúmeros exemplos na história de que essa estratégia não deu certo. Tampouco está em sintonia com a evolução natural das sociedades cada vez mais interconectadas e logisticamente integradas.


O pensamento tipo “Meu País Primeiro” tende ao colapso e ao retrocesso. É uma questão de tempo. Até os doze anos de idade, vivi numa pequena aldeia com um pouco mais de 100 habitantes. A pobreza era grande. A saída para poucos era assumir altos riscos e migrar para outros países à procura de oportunidades, enquanto o regime insistia em se manter fechado e apostar todas as fichas no controle das colônias na África. Esta política não deu certo, o regime colapsou, para alívio da população.


Desenvolvimento econômico sem diminuição das desigualdades sociais também não tem futuro. Estamos presenciando várias manifestações em diferentes partes do mundo clamando por mais transparência na distribuição das riquezas.


Boas escolas e universidades são necessárias, mas não suficientes. É preciso investir a fundo perdido em cultura e arte para que tenhamos uma sociedade inclusiva e saudável. Ainda assim, se tivermos tudo isso faltará realizar a maior das revoluções; questionar e alterar substancialmente nosso atual padrão de comportamento ético e moral.


Mas isso só será alcançado através de um trabalho firme e perseverante que somente poderá ser realizado no plano individual: evoluir nos estágios de consciência para alcançarmos patamares mais altos de convivência e aceitar o contraditório. Colocarmo-nos no lugar do próximo, ouvir suas opiniões e dialogar, dialogar, dialogar. E como poderemos realizar tamanha tarefa? Existem instrumentos disponíveis e adequados que nos ajudem nesse empreendimento?


Como disse anteriormente, diferente de estágios ou níveis de consciência, estados de consciência, são possíveis de observar somente através de exercício individual, experienciados pela própria pessoa. Felizmente, temos disponíveis várias ferramentas desenvolvidas ao longo dos séculos. E hoje, graças ao desenvolvimento das neurociências e da psicologia temos o privilégio de estudar através de métodos científicos a nossa própria mente.


Vipassana é uma palavra sânscrita que significa: “observe a realidade assim como ela se manifesta na moldura do seu corpo”. Este é um princípio fundamental do método científico, observar o fenômeno assim como ele se manifesta, sem interferências de narrativas externas, e tirando suas próprias conclusões.


O método foi desenvolvido na Índia pelo filósofo Buda. Tive o privilégio de aprender essa técnica com o professor Goenka, que apenas orienta os alunos a transformar sua mente num “Observador” altamente concentrado e, semelhante a um microscópio de alta resolução, poder observar com equanimidade as sensações grosseiras e sutis que ocorrem em nosso corpo.


Na verdade, todo o fenômeno mental está intimamente relacionado às sensações manifestadas no seu corpo. Desta forma, ao observar tais manifestações você estará observando, concomitantemente, os padrões mentais.


Segundo Yuval Noah Harari, autor dos best sellers “Sapiens, Uma breve história da humanidade” e “Homo Deus, Uma breve história do amanhã”, é melhor compreender nossa mente antes que os algoritmos assumam a tarefa por nós.


Harari se refere aos algoritmos matemáticos que são base da Inteligência Artificial – IA e, por conseguinte, dos robôs capazes de criar narrativas. Os algoritmos poderão dificultar a observação da realidade ao decidirem sobre o que devemos saber sobre nós através dessas narrativas virtuais. Por enquanto, a escolha ainda está em nossas mãos.


A China está investindo fortemente no estudo da matemática. Esta disciplina é fundamental na criação de algoritmos utilizados no desenvolvimento da IA. No final de 2019 ocorreu mais um “World Mathematics Team Championship”, a olimpíada internacional de matemática na China e, para orgulho nosso, a medalhista de ouro foi uma jovem de 15 anos, aluna do Colégio Pedro II.


Adrieny Monteiro, que mora num bairro do subúrbio carioca, aproveitou para visitar a Muralha da China após o concurso. Nunca pôde visitar o Cristo Redentor em sua cidade. Era um sonho de criança, disse ela. Foi um grande prazer presenteá-la com a visita ao Corcovado, uma das sete maravilhas do mundo.


Em minha opinião, a maior maravilha do Brasil é sua juventude extremamente criativa e persistente na busca de seus objetivos maiores, apesar das dificuldades.


Adrieny e a medalha de ouro que trouxe para casa. Foto: Brenno Carvalho / Agência O GLOBO

Segundo Marcel Proust “A verdadeira viagem de descoberta não consiste em buscar novas terras, mas em ver com novos olhos”. Perfeitamente, mas completaria essa máxima afirmando que no ato de viajar também poderemos adquirir novos olhares. Entrar em contato com culturas diferentes da nossa é uma forma prazerosa de expandir a consciência e abraçar nossos semelhantes.


No carnaval de Fevereiro de 2020 participo de mais uma viagem especial; observar as minhas sensações sutis e padrões mentais durante um curso de 10 dias, em “Nobre Silêncio”, nas montanhas do Rio de Janeiro, num Centro Internacional Vipassana. Já realizei inúmeros cursos semelhantes a este, e posso afirmar que meu autoconhecimento e compreensão da sociedade humana evoluíram substancialmente nos últimos anos.


Esta é minha sugestão para que possamos entender a estranha ordem das coisas da atual condição humana, e contribuir para a paz e harmonia entre os povos.


Janeiro de 2020

223 views0 comments
bottom of page